quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Raízes híbridas da sociedade brasileira

Portugal enfrenta o desafio de modificar seu estilo de negócio, trocando o rápido e fácil comercio mercantil para sua nova atividade econômica, a agricultura no solo brasiliense. Foi em 1532 que Portugal iniciou a colonização no Brasil trazendo consigo sua cultura econômico-social implantando a escravidão como forma de trabalho e unindo-se a mulher índia, dando assim, o primeiro passo para a miscigenação do recém nascido país.
Designa-se América tropical - uma sociedade agrária, escravocrata de exploração econômica, híbrida de índio e posteriormente de negro. Compondo-se assim de grandes famílias proprietárias e autônomas, índios e negros, representantes de’l Rei, filhos de padres, doutores e a própria Madre Igreja.
A contribuição da raça africana superando a raça européia dando uma predominância na vida sexual, na alimentação, na religião. O sangue negro correndo por grande parte da população brancarrona corrompendo a rigidez moral e doutrinária da Igreja medieval ao próprio caráter do povo. A Europa reinando sem governar.
O Patriota Ferraz de Macedo não encontrou firmeza no colonizador. O que encontrou foram hábitos, aspirações, interesses, índoles, vícios, virtudes variadíssimas e com origens diversas – étnicas e culturais. Verificaram-se nos portugueses as seguintes características desencontradas: a “genesia violenta” e o “gosto pelas anedotas de fundo erótico”, “o bril, a franqueza, a lealdade”, “a pouca iniciativa individual, “o patriotismo vibrante”, “a imprevidência”, “a inteligência”, “o fatalismo”, “a primorosa aptidão para imitar”.
Ao caráter português dá-se a idéia de “vago impreciso” e essa imprecisão é que permite ao português reunir dentro de si tantos contrastes impossíveis de se ajustarem no duro e anguloso castelhano, de um perfil mais definitivamente gótico e europeu. O caráter português é como um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas d’água: daí passar do “fatalismo” à “rompantes de esforço heróico, da “docilidade” a “ímpetos de arrogância e crueldade”, da “indiferença” a “fugitivos entusiasmos”.
Ora alternância, ora equilíbrio, ora hostilidade compõe o misticismo luso-africano. Essas duas culturas sobressaíram-se através da influência que exerceram uma sobre as outras nas suas vidas, artes, economia, moral. E hoje temos uma cultura equilibrada sobre antagonismos devido à flexibilidade, indecisão, equilíbrio e desarmonias da época.
Por motivos econômicos e políticos os homens eram estimulados calculistamente a emprenhar mulheres, fazendo filhos para suprir a falta de capital-humano - não desprezando o instinto de macho da época.
Os guerreiros, administradores, técnicos, pessoas capacitadas eram transferidos politicamente da Ásia para a América, para Lisboa ou para a África conforme conveniência do momento.
Os colonizadores portugueses foram misturando-se gostosamente com negras e multiplicando-se em filhos mestiços. O que deu condição de se formar o tipo ideal de mulher para os portugueses: a moura-encantada, tipo delicioso de mulher morena e de olhos pretos, envoltas de misticismo sexual, que sempre estavam vestidas de vermelho, sempre penteando os cabelos ou banhando-se nos rios. Aí se iam os famintos colonizadores em busca de prazer e estas, por sua vez, por qualquer bugiganga ou caco de espelho estavam se entregando de perna abertas aos gulosos de mulher.
É certo, no entanto, que as morenas eram as preferidas dos portugueses pelo ao menos para o amor físico. A influência européia dava a preferência às mulheres loiras, mas isso era apenas para as classes mais altas. A realidade nacional era a seguinte: “Branca para casar, mulata para f...., negra para trabalhar”.
Nota-se uma aptidão dos portugueses de se aclimatarem em regiões tropicais. Venceram a adversidade do clima, que se torna exceção para os portugueses, que pela hibridização realizaram no Brasil obra verdadeira de colonização. O clima gera fortes influências na formação e desenvolvimento das sociedades, através de efeitos imediatos sobre o homem, sua relação com a produtividade agrícola, com fontes de nutrição e com os recursos de exploração econômica.
O homem europeu foi privado de sua lavoura tradicional regulada pelas quatro estações do ano e da cultura das plantas alimentare, a que estava habituado durante séculos, pois o clima irregular e sua relação com o solo daqui do Brasil foram desfavoráveis a tradicional lavoura européia. Chegando a haver mudanças radicais de alimentação, tais como: do Trigo para a mandioca.
Intencionava, o português, encontrar na América uma terra de vida fácil, porém encontrou uma terra dificílima para quem a quisesse organizar econômica e socialmente. Aqui encontrou homens em estado bruto. Não havia negociadores vestidos de seda, nem tampouco pisando em tapetes persas. Eram apenas morubixabas. Gente nua e à toa, quando não adornados de penas, que se alimentavam da caça e da pesca, e no máximo de mandioca por aqui cultivada. Essa falta de riqueza sistematizada é o que força a metrópole a se instalar e explorar a agricultura, nessa terra de civilização nenhuma.
Pioneiramente o colonizador português do Brasil mudou o foco de colonização unicamente extratora para formação de riqueza local, a colonização de plantação. Esse trabalho, óbvio, feito por mão-de-obra escrava. À partir desse ponto o colonizador aproxima-se mais do colonizado, pois do breve contato que se tinha passa-se para a sedimentarização do seu habitat. Os portugueses vendiam suas casas, suas propriedades em seu país de origem e imigravam com suas famílias para viverem em colônia nos trópicos. Como se tratava de agricultura essa colonização caracterizou-se pela predominância da família rural e semi-rural.
Essas famílias já vinham constituídas da metrópole ou se formavam aqui no Brasil da união de colonos com mulheres caboclas ou virgens órfãs ou mesmo mulheres à-toa.
Essa nova técnica dos colonizadores caracteriza-se em duas particularidades: primeiramente a utilização e desenvolvimento de riqueza vegetal, a agricultura, a sesmaria, a grande lavoura escravocrata. E em segundo lugar: o aproveitamento de mão-de-obra nativa, incluindo a mulher, que não só servia como instrumento de trabalho, mas também como ferramenta de procriação. O grande fator colonizador do Brasil é a aristocracia colonial que instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, o capital que desbrava o solo, essa foi a aristocracia mais poderosa da América.
Os colonizadores tiveram que descobrir qual melhor lugar para se sedimentar, de uma vez que os grandes rios eram traiçoeiros com os povos que às suas margens se ajuntavam. Não piedosamente quando se davam as enchentes desses grandes rios os mesmos arrastavam tudo que estivesse ao seu redor: fossem plantações, casas, gados e até pessoas sofriam a devastação que as caudalosas forças da água provocavam. Com esse quadro doloroso e destruído provocado involuntariamente pela natureza é que se percebe que se acampar ao redor dos rios menores com maior regularidade deve ser a verdadeira saída para uma habitação, pecuária, e lavoura próspera, e fluente de doçura equilibrada. 
O indivíduo de vida promiscua e de excessos de suas vidas sexuais são atraídos a virem ao Brasil por haver possibilidade de vida livre, solta no meio de mulheres nuas e aqui viverem por puro gosto de aventura e orgia. Esses machos em pleno vigor da juventude aventuram-se com mulheres gentias e dessas ardentes paixões só pode resultar em bons animais ainda que maus cristãos, ou mesmo, más pessoas.
Não podemos desprezar nem tampouco esquecer uma outra parcela da sociedade que também contribuiu para a formação de cultura e ideologia da sociedade brasileira que são os jesuítas. Estes foram responsáveis por trazer educação, moral e conhecimento cristão para uma sociedade ainda inconsistente e recém nascida com toda fragilidade orgânica.
É importante ressaltar que não houve nenhuma barreira de fronteiras para entrada de estrangeiros no Brasil. Todavia, era necessário que esses fossem declaradamente cristãos católicos, era essa a restrição. E somente cristãos católicos poderiam adquirir sesmarias.
Observava-se também a prática de certos frades irem a bordo de navios interrogando os imigrantes para saber se os mesmos eram ou não praticantes ou conhecedores do catolicismo. Não os importava se eram maus ou se causariam danos a sociedade, se eram doentes contaminados pelas pestes da época, o importante era a saúde religiosa e saber rezar o padre-nosso, a ave-maria, o creio-em-deus-padre e fazer o sinal da cruz.
Eles temiam fosse quebrada a fraternidade por eles executada em Portugal através da união dos católicos para “os inimigos políticos” – calvinistas e protestantes, não quebrarem ou enfraquecerem essa devida “fraternidade”.
O antagonismo econômico se reforça e adota degraus cada vez mais distantes quando através do cultivo da cana-de-açúcar os possuidores de maior capital dominam a agricultura e a indústria do açúcar, enquanto que os menos privilegiados de poder econômico tinham que levar a vida, espalhados pelos sertões, em busca de escravos ou criando gado por lá.
Durante os séculos XVI e XVII predominou no Brasil o cultivo de cana-de-açúcar precedido pelo ouro e posteriormente pelo cultivo de café, não obstante, usou-se a mesma ferramenta braçal, o escravo africano. Neste momento há uma mudança no eixo da economia, antes predominantemente nordestina, enraizando-se para outras regiões, tais como as Minas Gerais - com as extrações do ouro, e São Paulo - com o cultivo do café.
O regime alimentar do brasileiro nos primórdios e por muito tempo da colonização foi muito pobre, deficiente e instável o que provocou uma grande disparidade no desenvolvimento físico e psíquico entre europeu e brasileiro. Faltava trigo, ovos, leite, legumes e carne fresca, elementos básicos para uma alimentação saudável.
As condições físicas e químicas do solo e as condições climáticas foram desfavoráveis ao cultivo espontâneo da vegetação alimentar, é certo observar que cada região é propícia para determinado tipo de cultura e os fatores climáticos brasileiros não propiciaram essa cultura.
É importante salientar que a influência sócio-econômica da monocultura enfatizou a falta de esforço por busca de novas técnicas que pudessem propiciar a cultura de mais fontes de nutrição.
Os privilegiados por uma melhor alimentação foram os brancos das casas-grandes e os negros das senzalas. Ou seja, os poderosos ricos aristocratas e os desbravadores dos campos, os escravos, que através de seu trabalho sustentava-se toda a riqueza da colônia. É por esse motivo que no Brasil na atualidade percebe-se o destaque dos negros em competições atléticas, entre outros. As camadas mais desfavorecidas da sociedade foram todo o restante, a metade da população: a grande massa livre que não era escravo, mas também não era cidadão.
De Portugal procedia a grande parte dos alimentos que eram trazidos sem condições adequadas de mantimentos e armazenamento, o que não garantia a qualidade dos mesmos. Chegando aqui depreciados de seus princípios nutritivos, em sua maioria: carne, cereais, frutos secos.
Houve tamanha escassez de farinha no século XVIII que o Conde de Nassau tomou a providência de incluir uma clausula nos contratos das capitanias obrigando os proprietários a plantarem “mil covas de mandioca por cada escravo que possuísse empregado na cultura da terra”.
Embora toda essa escassez na mesa de ricos e pobres, escravos e nobres, não faltava para ricos e nobres, peças importadas e caras de bom gosto e luxo. Esses eram dotados de extrema vaidade possuindo produtos supérfluos para alimentar os seus egos, viviam com a barriga roncando e endividamento rolando. Filhas e esposas de alguns tinham vestidos adornados, esses apenas para ir à igreja, enquanto que em casa vestiam-se de cabeção, saia de baixo e chinelos sem meia.
Tratar de miscigenação brasileira remete-se a tratar de sifilização, doença muito conhecida no principio de colonização. Essa é incorporada às taras étnicas entre índias e colonizador.
A sífilis não foi a única característica negativa da relação sexual do conquistador europeu com a índia. Caracterizou-se também como evento sexual o sadomasoquismo, que se convencionou o sadismo do branco, e o masoquismo da índia.
Em suma, temos nas linhas acima, a origem do que somos hoje. Esses foram nossos antecessores. Fora dessa forma de ser, que fomos gerados. E o estado que mais sofre as marcas desta descrição tão voluptuosa, que Gilberto Freire faz, é o nosso Pernambuco. Por isso, percebemos tanto apresso pela baixaria, pelas palavras de baixo calão, pelas músicas de letras ruidosas e desprovidas de reverência, por programas de televisão fúteis, por conversas fúteis, por fofocas famigeradas.
Quando leio Gilberto Freire sinto vergonha desse passado sem conserto e que nos fomentou herança tão desgraçada. Fico analisando-me e analisando os meus semelhantes - onde nossos atos, do presente, nos coadunam com esta infâmia do passado?
Iniciei mais uma vez a leitura de Casa-grande & senzala, do tão bom relator, Gilberto Freire. Poeta forte em suas palavras e minucioso em sua observação, que nos faz entrar na intimidade do europeu colonizador, do índio colonizado, dos negros traficados, das brancas européias, dos senhores de engenho, da casa-grande, da senzala.

FREIRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006.

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